
FILOSOFIA OCULTA

OS RITUAIS DO TAROT
Teurgia e Iniciação na Tradição do Tarot

Se tivesse que viver minha vida novamente, a primeira coisa que faria seria inventar um sistema de símbolos totalmente novo, com o qual comunicaria as minhas ideias. ~ Johann Gottlieb Fichte
Esta sabedoria prática do uso mágico das lâminas do tarot nasceu de um lugar desconhecido em um momento imprevisto. Seria seguro dizer que ele nasceu da confluência do conhecimento de muitos autores bons ou ruins que estudei e consultei durante quase trinta anos de estudos sobre o tarot. No entanto, muito embora este estudo tenha construído o escopo intelectual de meus conhecimentos sobre a arte oracular e tradição iniciática do tarot, um sopro de inspiração me levou a considerar que cada lâmina do tarot possui uma personalidade e virtude particular, uma assinatura astral e uma presença espiritual, tratando-se de um espírito.
Isso pode ser difícil de compreender, dada a natureza abstrata e arquetípica que a tradição moderna e pós-moderna estudam e compreendem o tarot. Segundo as concepções e interpretações modernas, poderíamos até dizer que o tarot é o oráculo per si da tradição moderna da magia. Que seja! Isso não faz diferença alguma. Assim como o homem foi capaz de projetar e deificar o Espírito de São Cipriano através de séculos de construções mitológicas e iconogr-
áficas, assim ele vem fazendo com o tarot desde sua origem na Antiguidade do Mediterrâneo. Como veremos nesse estudo, o tarot busca sua tradição e legitimidade nos mistérios da cultura egípcia, greco-romana, tradições semitas e, principalmente, na Arte dos Magi e Culto a Mitras dos persas/iranianos, muito embora os estudos modernos deem ênfase nas raízes medievais do tarot. A gênese do tarot é a Tradição Hermética de Mistérios como temos estudado no Ano I do Curso de Filosofia Oculta. É da Tradição Hermética que o tarot busca seu imaginário e conjunto de símbolos originais, antes de sua popularização. Os Rituais do Tarot é, neste caminho, um estudo derivado do Curso de Filosofia Oculta.
A Ideia central deste estudo é: um maço de lâminas de tarot abre a possibilidade de se trabalhar mágica e misticamente com setenta e oito espíritos diferentes. Algum tempo atrás eu veiculei uma nota em rede social, a qual reproduzo para fins de elucidação:
Estou desenvolvendo um curso sobre tarot chamado: Os Rituais do Tarot: Teurgia e Iniciação na Tradição do Tarot. Essa é uma abordagem inovadora e mágica acerca do tarot, que permite usar os atus não apenas para divinação, mas principalmente para o conhecimento e conversação com os espíritos dos atus, a força mágica ou entidade por trás de cada carta. Assim como o mago deve desenvolver seu sistema pessoal de magia, lidando com espíritos tutelares, ancestrais e locais, um tarólogo deve desenvolver sua maneira pessoal de interação com os atus. Como o tarot é um oráculo moderno, a grande maioria de seus interpretes têm uma visão psicologisada e arquetipal dele. Este curso pretende quebrar este status quo psiúrgico da interação com o tarot, demonstrando como é possível fazer magia de verdade com os atus, lançando feitiços, encantos, sortilégios, se protegendo e se orientando espiritualmente através do contato com as entidades ou daimones do tarot. Alguns autores já lançaram essa ideia de fazer magia com tarot, entre eles o notório magista moderno Donald Michael Kraig. No entanto, esses magistas se valem da cosmovisão moderna para construir sua interpretação e uso mágico do tarot, organizando sistematizações psiúrgicas apenas, utilizando ainda largamente exercícios modernos como o Ritual Menor do Pentagrama, O Ritual do Pilar do Meio e outros.
Eu vou por um caminho diferente. Na cosmovisão animista da magia cada carta do tarot possui um espírito e é possível entrar em contato com estes espíritos da mesma maneira que os magos do passado conjuravam inúmeras criaturas do Corpo de Deus. A proposta é fazer magia com o tarot e utilizá-lo como ferramenta fundamental para proteção espiritual, prosperidade financeira, sorte no amor, divinação oracular e acima de tudo, emancipação espiritual através da deificação da alma por meio do Conhecimento & Conversação com o Sagrado Anjo Guardião. Uma proposta mágica e inovadora na tradição do tarot.
Até muito pouco tempo atrás o conhecimento popular do outro mundo, quer dizer, a crença na existência de criaturas e mundos espirituais era algo comum a maioria das culturas. Foi o desenvolvimento da tradição cientificista e materialista que mudou radicalmente a visão de mundo do homem moderno, que acabou por se tornar demasiado apegado a matéria[1] distanciando-se do conhecimento da existência de espíritos e a crença na interação com eles. Inúmeras são as mitologias que falam da interação mágico-espiritual entre homens, fadas, gnomos, anjos, vampiros, mortos, deuses e toda sorte de criaturas e deidades. Isso não se trata de fantasia como hoje se entende, mas de realidade e cosmovisão do homem da Antiguidade e Idade Média.
Como nós temos estudado, para executar a magia é preciso empreender um retorno às raízes arcaicas da Arte dos Sábios. Mas isso não significa, no contexto do presente estudo, deixar de lado o legado ou desenvolvimento do escopo filosófico do tarot. Então somos obrigados a participar de dois mundos, estamos em uma encruzilhada.
A encruzilhada é um entrecruzamento vibracional. Trata-se de um dos símbolos mais antigos e tradicionais da Arte dos Sabios, pois é na encruzilhada que nos conectamos com o outro mundo. Isso é deveras importante no contexto do tarot e seu glifo fundamental, a Árvore da Vida, constituída por vinte e dois caminhos que se entrecruzam. Um entrecruzamento vibracional é um portal para o mundo dos espíritos, um lugar aonde é possível contatá-los. Para contatar os Espíritos das lâminas do tarot é necessário se posicionar na encruzilhada correta. Toda encruzilhada, podemos dizer, pertence aos domínios da Grande Mãe (Terra/Malkuth), mas o dinamismo de todas encruzilhadas no Corpo da Mãe é a ação do Senhor das Trevas ou Espírito da Natureza. Nas lâminas do Tarot, este Espírito da Natureza é o Diabo (Atu XV), pois ele é o espírito do tarot que conhece todos os caminhos e encruzilhadas da Árvore da Vida.
O Espírito de cada lâmina do tarot é também a sentinela do portal para o mundo ou região que a lâmina representa, assim como o chefe de falange de uma horda de espíritos menores, habitantes da região representada pela lâmina. Isso abre um leque de possibilidade para utilização mágica das lâminas do tarot.
Na minha experiência com o tarot, esse exercício tem me possibilitado refinar minhas capacidades oraculares, mas também como efeito colateral, assim acredito, de minha jornada pela Quimbanda.
Desde que comecei a trabalhar efetivamente com a Quimbanda, uma entidade começou a se aproximar muito sutilmente, a qual eu sentia a presença primeiro como uma inspiração, mas recentemente como uma voz. Eu me refiro a Pombagira Cigana das Sete Saias. Essa pombagira é um poderoso espírito da arte oracular. Ela é capaz de oracular usando tarot, búzios, ossos, pedras, tampinhas de garrafa, palitos, borra de café, bola de cristal etc. Com sua saia colorida, ela se apresenta com uma faca nas mãos e uma caveira nos pés. Trata-se de um espírito que se relaciona tanto com o Reino das Almas como o Reino da Lira. Sua faca e postura indicam que Pombagira Cigana Sete Saias está sempre pronta e alerta para atacar seus inimigos e sua estocada certamente matará.
Desde que comecei a me relacionar conscientemente com ela, minhas capacidades oraculares começaram a se aguçar consideravelmente. O meu exercício consiste em logo após a disciplina matinal de meditação e oração, acender uma vela, um pouco de vinho tinto e uma cigarrilha para Pombagira Cigana das Sete Saias. Na minha experiência, tenho considerado às 6:00, 18:00 ou 00:00 os melhores tempos de poder para o contato com ela nas segunda e terça-feiras. Eu me sento na frente de meu altar onde se encontram os espíritos patronos de minha casa e coloco a lâmina de tarot sobre a qual vou trabalhar com seu espírito. Antes de iniciar o trabalho, faço uma saudação ao chefe de meu malei, meu Exu Pessoal, para que, como o Diabo, o Atu XV do Tarot, eu possa ser bem-sucedido pelas encruzilhadas da Árvore da Vida.
Eu preparo o ambiente colocando minha cadeira entre os dois pontos riscados de Pombagira Cigana das Sete Saias, um para manifestação plena de seus poderes e outra para defesa e astúcia mágica. Após convocar a sua presença e sob a sua tutela e regência, eu convoco o Espírito da lâmina do tarot. Os Espíritos das lâminas do Tarot, sendo eles daimones (espíritos) personificados e deificados no Corpo da Deusa, compartilham virtudes luminosas e sombrias. Lidar com eles é lidar com essa ambivalência.[2]
Para este exercício e por orientação espiritual, não tenho utilizado plantas de poder em nenhum trabalho mágico que envolva Exus ou Pombagiras. Para criar uma conexão efetiva com estes espíritos faço um preparado de enxofre e cachaça e coloco embaixo de minha cadeira, dentro de um alguidar. Molho as mãos com cachaça e cheiro para facilitar a incorporação. Além disso, para magnetizar o chão, pelo menos duas vezes por semana passo enxofre e azeite de dendê nele; em seguida jogo álcool e boto fogo. Isso esquenta o chão para facilitar a incorporação.
Os pontos riscados eu ativo com velas, tabaco e um pó de preparo secreto apenas para Pombagira Cigana das Sete Saias. Ela instruiu a construir uma caixa de assentamento para os espíritos do tarot, a qual já comecei a preparar. Mas essa caixa só poderá ser efetivamente usada quando eu estreitar os laços com os setenta e oito espíritos do tarot, o que pode levar muito tempo. Até lá, um pequeno assentamento temporário é feito para cada espírito das lâminas do tarot, que envolve colocar um copo de água[3] com uma pedra própria atribuída a cada lâmina.
Outro exercício que tenho feito, pelo menos uma vez no mês, é levar o maço de lâminas do tarot em uma encruzilhada e lá convocar algum dos espíritos das lâminas. Isso exige um poderoso exercício criativo de sobrepor a encruzilhada da Árvore da Vida sobre a encruzilhada da rua. É preciso em cada um dos ângulos da encruzilhada chamar o guardião correto e então convocar o espírito da lâmina.
A intenção é ganhar intimidade com cada um dos espíritos das lâminas do tarot, tornando-os assistentes mágicos para serem usados em trabalhos de magia ou de divinação. Isso significa que é possível usar o tarot magicamente para banir e purificar, atrair, separar ou transformar, para criar ou destruir. Isso depende da capacidade pessoal de manipular as lâminas do tarot nas encruzilhadas do Corpo da Deusa, criando uma cadeia de ação colocada em movimento pelo sábio uso da manipulação da energia. O Espírito de O Louco (Atu 0), por exemplo, quando convocado corretamente na encruzilhada, pode auxiliar na passagem de situações difíceis e delicadas da vida, que exijam posicionamentos definitivos e transformações necessárias; para limpar o ambiente antes de uma operação mágica; para auxiliar no desapego de pessoas, objetos ou situações; para clarear a mente em decisões difíceis. Na magia negra ele pode ser convocado para causar dúvida ou confusão, desastre ou tornar perdidos e tolos os inimigos. O Espírito de O Louco é especial para o trabalho sobre si mesmo, sobre a alma e o autoconhecimento. Na verdade essa é uma característica dos Espíritos dos Arcanos Maiores. O Espírito de O Mago (Atu I), por exemplo, pode ser convocado para ação mágica de feitiços e encantamentos para desenvolver capacidades psíquicas (mediunidade), para aumentar a capacidade de liderança, fala e astúcia; para alcançar sucesso; para consagrar objetos de poder, talismãs e armas mágicas; é um espírito muito bom para magia de amor, atração e magnetização do corpo astral. Na magia negra é utilizado para ludibriar e enganar os inimigos, fazendo-os ir por vias distantes. Mas os Arcanos Maiores também podem ser usados para magia na área secular. O Espírito de A Imperatriz (Atu III) é convocado para feitiços de amarração amorosa, despertar do olho romântico, fertilidade e atração, criatividade e melhor interação de casais (ou familiares); feitiços de prosperidade, abundância e abertura de caminhos; ao mesmo tempo, A Imperatriz pode ser convocada para causar infertilidade, fechar os caminhos e causar separações. Se pudermos colocar assim, o Espírito de A Imperatriz representa ou é uma incorporação do próprio Corpo da Deusa, a Natureza.
Finalmente, esse é um estudo de experimentação magística e de composição simbólica pessoal. É uma apologia ao aspecto prático e individual do ocultismo experimental dentro de um entrecruzamento vibracional onde Exus e Pombagiras correm pelos caminhos da Árvore da Vida. Minha proposta é anotar detalhadamente este experimento magístico e compartilhar com vocês, na intenção última de inspirar o espírito da prática e da experimentação.
Fernando de Ligório
Filosofia Oculta
NOTAS:
[1] O desfrute confortável da matéria não é criticado pela magia, muito pelo contrário, magia serve para proporcionar as condições adequadas para esse desfrute. O que se critica é o apego a matéria, não o seu desfrute.
[2] Que pessoalmente vejo manifesto com a mais prístina clareza na presença de Exus e Pombagiras.
[3] Eu me arrisquei a trocar a água por cachaça e sangue algumas vezes e senti uma tensão que não consigo explicar durante a convocação do espírito da lâmina. No entanto, sua presença é marcada por certa agitação, o que me levou a concluir que a cachaça e o sangue acionam os aspectos sombrios da carta.